por Junior Bonfá
As
ocupações de escolas públicas por estudantes secundaristas exprimem o devir revolucionário
da juventude brasileira contemporânea. Uma juventude que ocupa a escola e nela
resiste é uma juventude que acredita na escola como um lugar do possível. É uma
juventude que contra-efetua o estado de coisas imposto, suscitando acontecimentos
que fogem ao controle. É uma juventude que experimenta uma subjetividade
política num processo de autogestão coletiva.
As
ocupações não são apenas uma resistência à PEC 241, mas também, e sobretudo,
uma experimentação de modos de vida inabituais, na qual os acontecimentos
dobram e desdobram a rede de significação dos estudantes, produzindo novas
maneiras de ver e sentir o mundo. As ocupações dos estudantes secundaristas tem
qualquer coisa que flerta com aquilo que Deleuze chamou de "máquina de guerra".
Afinal, para Deleuze, as máquinas de guerra "não seriam definidas de modo
algum pela guerra, mas por uma certa maneira de ocupar, de preencher o
espaço-tempo, ou de inventar novos espaços-tempos".[1]
As
máquinas de guerra repousam sobre as linhas de fuga dos indivíduos e dos grupos,
onde resistem ao aparelho de Estado. O Estado, por sua vez, goza de suas próprias máquinas, as quais repousam sobre as
linhas de segmentaridade dura, a saber; a máquina binária (que opera nos
cortando e recortando) e a máquina abstrata (que opera nos sobrecodificando).[2] Todas
essas máquinas, entre outras, estão em constante luta - em nós - pela condução das
linhas que compõem os acontecimentos e os agenciamentos. Disso se segue que há
um perigo referente a vitória de cada máquina em questão.
A
esse respeito, Deleuze aponta que: se as linhas
duras tornam-se absolutas, tornamo-nos enrijecidos, com modos de vidas
demasiados duros e, por conseguinte, perdemos a capacidade de criar; diferentemente,
se as linhas flexíveis rumarem para determinada
direção muito rapidamente, de modo brusco, podemos cair em buracos negros, onde
insurge os microfascismos de pequenos grupos; e, por último, se formos levados por
linhas de fugas em demasia, corremos
o risco da destruição de nós mesmos e dos outros. Cabe então, não somente ao esquizoanalista,
mas a todos que se preocupam com o acontecimento de si mesmo, acompanhar essas
linhas, identifica-las e tomar cuidado com o perigo do excesso de cada uma.
Arte de Janusz Jurek
Agora,
então, resta perguntar: quais são as linhas que compõem a resistência dos
estudantes secundaristas? Decerto que as linhas moleculares, linhas flexíveis e
de fuga. Logo, o perigo do movimento está na possibilidade de alguns jovens
tornarem-se microfascistas e até mesmo demolirem a si mesmo e o grupo. Disso abre-se
outra questão: já é possível notar alguma dessas fatalidades nas ocupações? Parece
que sim. Basta acompanhar alguma ocupação ou escutar o relato dos jovens para
tomar ciência de vários casos nos quais pequenos grupos quiseram tomar a frente
da ocupação e provocaram uma rivalidade entre os alunos da escola, resultando inclusive
na não-ocupação, na desistência da resistência.
Deleuze
já alertava que "a política é uma experimentação ativa, porque não se sabe
de antemão o que vai acontecer com uma linha".[3]
Portanto, é preciso tomar cuidado com os perigos de cada linha, para que o movimento
seja potente, criador e coletivo.
[1] DELEUZE. Gilles. "Controle e Devir".
In: Conversações
[2] DELEUZE. Gilles. "Políticas". In: Diálogos
[3]
Idem
NOTA: Sei que o tema merece uma definição mais elaborada das linhas, das máquinas, enfim, mas a vida vem tirando o meu tempo de dedicação ao blog... entre-tanto, dediquei-me a esse esboço numa noite para compartilhar minhas considerações. Por favor, deixe seu comentário. Abraço.