Desconfio daqueles que não se engasgam para falar, que não gaguejam, que não mordem a língua, que não se desesperam... Duvido dos que atiram palavras, sequências, sem titubear: mãos ao alto! Aí vem o palavrório – conjunto de palavras sem muita importância indo ao chão. Pois bem: suspeito de quem não sofre de engarrafamento de palavras no esôfago. Uma mínima retenção já é sinal verde de saúde. Afinal, desembocar palavras, colocar problemas, palpitar, deve ser uma tarefa tão cautelosa quanto a de libertação de prisioneiros. A questão que se faz é a seguinte: falar, assim como pensar, deve ser transgredir. Um abrir de celas: um pra-lá-vão – conjunto de palavras sem muitas amarras indo ao encontro. Assim, como Caetano em “Branquinha”: “Vou contra a via, canto contra a melodia, nado contra a maré.”. 

      Aos falantes afiados, aos tagarelas precisos, um primeiro conselho: mastigue 40 vezes antes de engolir a sopa de letrinhas, antes de incorporar qualquer discurso. Mastigar é ação radical que objetiva quebrar valores, conceitos e objetos levantando suspeitas sobre a sua naturalidade, estabilidade e concretude. É aplicar força para desmontar ícones e ídolos. Desmontar sem propor nada no lugar, “por entender que os acontecimentos e a história resultam do embate de forças e não de projetos filosóficos ou da ação ou intenção de ‘sujeitos geniais’ como: inventores, pensadores...”. 


Arte de Francis Bacon


      Tussa! Sempre que for necessário. As instituições (os instituídos) seguem nos movimentos que enquadram, encaixam, sufocam as diferenças. Tossir, nesse sentido, é sentir a garganta arder, literalmente se irritar quando uma dessas forças encarnadas em palavras pretende se reproduzir, ir pro mundo, ser verdade. Tossir é insistir em uma “estética da existência, pautada em uma ética da diversidade da vida”. 

      Eu aposto na análise, no “talvez”, na meia-verdade. É por isso a demora, é por isso a dificuldade. E é por isso também o não entendimento dos majestosamente articulados. Não fale de boca cheia. Vai devagar. Palavra por palavra não enche boca, mas emite signos. Por palavra por palavra é possível entrar, esmiuçar, analisar, resistir, criticar, sentir. Palavra por palavra. Pra lá vão elas, de encontro não ao chão, mas ao outro – produzindo afectos e afeções, catalisando sentidos, fazendo rede e trazendo esperança.