por Mateus Reis
Quando
chega a notícia de que uma criança está sendo gerada, apressa-se, atropela-se e
logo se pergunta com tom de limitação: “é menino ou menina?”, “rosa ou azul?”,
“Maria ou João?”... A resposta para perguntas como estas deveria ser tão
somente: “é gente!”. Porque “gente” oferece tantas possibilidades, que nem
mesmo se eu tivesse dez línguas em dez bocas conseguiria dizê-las.
A
criança nasce. As mãos do médico fazem morrer o silêncio e nascer o berro. Aos
poucos, em harmonia com a natureza, as crianças engatinham e ganham os passos. As
palavras, no entanto, preexistem à elas, e, por isto, operam no inverso: não
são os corpos que ganham as palavras, são as palavras que circunscrevem os
corpos, em processos de subjetivação.
Os ouvidos atentos da criança recebem
os mandamentos da professora de português, que “ensigna”, “dá ordens, comanda”
(1). Os mandamentos daquele que os dá, independente da posição que este ocupa,
“não são exteriores e nem se acrescentam” (2) às informações de um enunciado.
Pelo contrário, são intrínsecos a este. Ou seja, não há comunicação sem a
transmissão de palavras de ordem. Há, no entanto, a imposição de coordenadas
semióticas com todas as bases duais da gramática, como o masculino e o
feminino, o singular e o plural. É quando dizer é fazer um fazer, quando ordena
um fazer. Esta operatória da linguagem transpassa os corpos e, por vezes, ditam
modos mortiços de ser e estar no mundo.
Por Abdela Igmirien |
A linguagem não é um sistema fechado e
invariante, “definido por termos e relações constantes” (3), mas antes trata-se
de um “sistema em desequilíbrio perpétuo, em bifurcação” (4), o que abre a porta
para a criação e extensão de seus limites. É quando inventar a língua é
inventar a vida. Inventar palavras que dão lugar a existência é apostar que a
infância não tem cura - não tem quem cure. É aproximar-se, aproximar ser, de um
devir-criança, onde pode-se encontrar condições para tensionar a língua até o
ponto de fazê-la balbuciar e guagejar. Mastigar as palavras. Dividi-las até que
virem outras.
É preciso provocar o reencontro com o nosso
próprio e primeiro silêncio, e criarmos ouvidos oceânicos – onde tudo cabe –
para que possamos acolher, antes de tudo, todo tipo de existência e a diversidade
dos desejos do humano. E depois berrar por aterros e desterros, por abalos em
levadas suaves, que desterritorializem e territorializem o campo da linguagem o
quanto preciso for.
Notas referenciais:
(1) DELEUZE, Gilles e GUATTARI, Felix. Mil
Platôs. vol. 2, pág 12.
(2) DELEUZE, Gilles e GUATTARI, Felix. Mil
Platôs . vol. 2, pág 12.
(3) DELEUZE, Gilles. Crítica e Clínica,
pág 123.
(4) DELEUZE, Gilles. Crítica e Clínica,
pág 123.